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Fique atento aos riscos da contabilidade criativa

Gabriel Manes Gabriel Manes | Atualizado em: 26/03/2024 | 7 mins de leitura

Fique atento aos riscos da contabilidade criativa

Ter criatividade é sempre uma forma de se diferenciar no mercado, não é mesmo? Dependendo de como ela é aplicada, isso vale, inclusive, como um destaque negativo às empresas. Saiba mais sobre a chamada contabilidade criativa neste artigo e entenda.

O que é contabilidade criativa?

Não se engane pelo aparente tom positivo da expressão. Ficou conhecida como contabilidade criativa a adoção de práticas empregadas em demonstrações contábeis com o objetivo de mascarar a realidade, adulterando números que apontam os verdadeiros resultados obtidos em determinado período.

Embora adote a palavra contabilidade, não é uma postura que parte de um contador, mas de um cliente atendido por seu escritório. Os objetivos da estratégia são variados, como a majoração de ativos da empresa em bolsa de valores, que seria prejudicada pela divulgação de resultados ruins, por exemplo.

Outra das possíveis razões para o emprego da contabilidade criativa está na contratação de empréstimos por taxas mais baixas, passando às instituições financeiras uma capacidade de pagamento da dívida bem maior que a real.

Em empresas de menor porte, no entanto, a maquiagem contábil pode estar amparada na ilusão do pagamento de menos impostos, já que a maioria dos tributos tem alíquotas que incidem sobre o faturamento.

A linha tênue entre criatividade e evasão fiscal

Imoral, ilegal, antiética. Você têm diferentes formas de adjetivar a contabilidade criativa. Mas duas delas tendem a demover seu cliente da ideia: dependendo da efetiva alteração promovida nos relatórios contábeis, a prática pode ser criminosa e ineficaz. Vamos explicar melhor:

Quando vira crime

Usar a contabilidade para pagar menos impostos não é errado. Aliás, esse é um dos objetivos de qualquer empresa ao contratar um contador. E é plenamente possível ter êxito dentro da lei, a começar pela escolha do regime tributário.

Se o seu cliente tentar decidir sozinho se opta pelo Simples Nacional, Lucro Presumido ou Lucro Real, há boas chances de ele fazer a escolha errada e, por isso, pagar mais impostos do que deveria ao longo de 12 meses. Você sabe disso muito bem, mas ele talvez não.

Também é assim no momento de registro da empresa, quando o cliente escolhe um código CNAE, relativo à Classificação Nacional de Atividades Econômicas, que é impeditivo ao Simples Nacional ou o coloca em um anexo menos vantajoso.

Se existe uma opção de enquadramento diferente e menos onerosa, e você conseguir comprovar isso para ele, não deixará de mostrar criatividade dentro da lei, ajudando a produzir resultados positivos para o caixa da empresa.

O problema é quando o empreendedor acredita na ideia de que vale a pena omitir ou ajustar alguma informação contábil para alterar o resultado final e, assim, pagar menos tributos ao governo. Quando foge da lei, a empresa está sonegando impostos, prática que é conhecida como evasão fiscal.

Isso é crime, previsto na Lei Federal n.º 4.729, de 1965. E dá cadeia, com detenção de 6 meses a 2 anos e mais multa de 2 a 5 vezes o valor do tributo.

Quando é ineficaz

Se considerarmos apenas o valor da multa exigida no crime de sonegação fiscal, já há motivos suficientes para convencer o cliente quanto à ineficácia da contabilidade criativa.

Afinal, o que parecia uma economia de R$ 5.000,00 em um total de R$ 42.000,00 em impostos, por exemplo, pode resultar em uma autuação bem salgada ao bolso: entre R$ 84.000,00 e R$ 210.000,00. Em resumo, não vale a pena e cabe a você demonstrar isso ao cliente.

Esteja pronto a contra-argumentar depois de alertá-lo sobre o problema e ouvir que não é fácil ser descoberto. Afinal, você sabe bem como a Receita Federal qualificou seus métodos, em especial a partir da maior tecnologia no cumprimento das obrigações acessórias. Com as notas fiscais eletrônicas, por exemplo, o monitoramento ocorre em tempo real.

Assim, se a contabilidade criativa for colocada em prática, é questão de tempo até o fisco descobrir e bater na porta da empresa. E aí, o que parecia uma esperteza, um jeitinho de pagar menos impostos, vai se transformar em um grande problema.

Um golpe contra a contabilidade criativa

O ano de 2017 deve ser marcante contra a prática da contabilidade criativa. Atualmente, se o contador se deparar com manobras voltadas a mascarar a realidade, ele pouco pode fazer. Sua reação se limita a alertar o cliente e, sem sucesso na advertência, renunciar ao trabalho, mas não ele pode denunciar a irregularidade para não contrariar o sigilo profissional.

A partir de julho, isso deve mudar. É nesse mês que deve ocorrer a publicação pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) da versão em português da Noclar, a norma internacional que trata da Obrigatoriedade de Reporte do Não-cumprimento à Leis e Regulações.

As novas regras de conduta profissional do contador irão trazer uma mudança bastante significativa: em caso de irregularidade identificada, a denúncia às autoridades competentes deixa de ser considerada quebra de sigilo. Mais do que isso: é justamente essa a postura esperada do contador, sobretudo em casos considerados graves, como lavagem de dinheiro, fraude, corrupção e suborno.

Na prática, se você identificar que seu cliente está maquiando relatórios contábeis, deve alertá-lo e estimulá-lo a mudar de ideia. Se ele insistir na prática ilegal, pode se retirar da empresa ou deixar de prestar serviços a ela e fazer uma denúncia para uma autoridade capaz de analisar a questão.

Obviamente, vale o bom senso para não gerar um conflito desnecessário. Por vezes, o empreendedor pode agir por desconhecimento ou ignorância e não por má fé. Colocá-lo no rumo certo é também uma atitude de um verdadeiro parceiro do negócio, como é inerente ao contador.

Aposte na criatividade do bem

Neste artigo, abordamos o tema contabilidade criativa, que é sempre polêmico entre os contadores por remeter a práticas que podem minar completamente a relação com seus clientes.

O recado final indica não tolerar desvios da lei, mas tentar compreender o que leva o empreendedor a ir por esse caminho. Em vez de simplesmente renunciar ao trabalho e abandonar o cliente, dedique-se a mostrar para ele como é possível ser criativo de formas efetivamente rentáveis e eficazes no longo prazo.

Como é você que tem a informação e o conhecimento, sua postura diante de um caso assim pode fazer a diferença na formação de um empresário mais consciente.

E você, como reage quando o cliente tenta ir por um caminho contrário à lei? Comente!

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